quinta-feira, 8 de março de 2012

Condenado

O catre é duro. Achei que já havia me acostumado. Não consegui dormir. Contei as lajes de minha cela, 203 na primeira vez, na última foram umas 205. Em todo tempo de minha estadia não sei se cheguei a acertar alguma vez, possivelmente uma vez, quem sabe. Olhei as grades, tive simpatia por elas, como seria bom se fossem elas que me prendessem eternamente. Tentei contá-las, mas os números não vieram. O catre é duro, mas seria bom dormir um pouco. Descansar. Passei o meu pé sobre o ferro do catre, áspero com sua ferrugem. Quem sabe eles mudariam de idéia e me deixariam com as grades, que ora me prendem, e a ferrugem, sobre a qual eu durmo, eternamente.
Faz frio, joguei meu cobertor em um dos cantos da cela, fedia ao suor dos outros presos, fedia a homem. E lembrava minha condição; em suas fibras já havia meu cheiro, fedor de animal abatido e derrotado. Esperei em silêncio. Poderiam ter eles mudado de idéia. Que horas são? A primeira coisa que se perde é a noção do tempo. Pelas frestas vejo que já é manhã. Ainda não trouxeram minha comida, ah, mas quem precisa disso agora. Do que adiantaria comer. Às vezes penso que nada existe.
Os guardas chegaram. Três. Como os odiei. Mas, pense, estavam apenas fazendo seu trabalho. A multidão gritava. Todos felizes com o espetáculo. Os pais colocavam as crianças nas costas. Não havia horror, apenas regozijo. No patíbulo me ajoelhei, colocaram minha cabeça sobre o torno. Queria olhar o céu mais uma vez. Estou de costas para o céu, de costas para Deus. Queria olhar o azul. O carrasco se aproximou. Esperou. Levantou o machado, ele caiu sobre meu pescoço. Uma cabeça rolou com os olhos abertos procurando o firmamento e com seus olhos extáticos olhava a Deus. E a multidão urrou sob o céu daquela manhã clara.