sábado, 24 de setembro de 2011

Desajuste em Curral Del Rey – Parte III

Saiu Fred na direção da primeira casa, na Rua Amianto, puxando um hausto prazeroso ao deixar o recinto, porque mirava sua parede externa coberta por rochas cinzentas e densas cortadas por um forte sulco índigo. Lu entregou normalmente, virou à direita e retomou a Salinas, caminhou nela uns cento e sessenta metros curtindo a gostosa fumaça matinal. E decidiu parar no Oásis, que ainda não havia aberto ao atendimento. Conseguiu entrar assim mesmo, vira Nestor, o porteiro, cumprimentaram-se.

– Pó d’xar que é jogo rápido – assegurou Fred Luciano.

– Tá limpo – disse Nestor – só não demorar com os cartões... se o gerente vir, sobra pra mim.

– Ok.

Assim deixou alguns cartões da firma com os funcionários da limpeza, almoxarifado e piscina, no intuito de arranjar novos fregueses. Subiu até a portaria. Estava atônito, da côr que se usa no Réveillon, tremulava, dava passos hesitantes para ganhar a rua, feito um leucêmico que acabou de receber alta.

– Que cara é essa, Fred? O que houve?

A moça na cantina lhe contara da invasão de uma gangue de traficantes no barraco de Anderson, amigo de Fred de bater peladas na rua e andar de skate na Pracinha, relatando com alguns detalhes sobre como o morador fora alvejado por uma .45 e de como se dera sua morte dentro da ambulância, oito minutos após esta conseguir deixar a favela fronteiriça à Avenida dos Andradas.

– Tu não sabia?

Lu agradeceu o porteiro, balbuciou uma explicação sobre não estar ligado nos acontecimentos do bairro nesses dias, Nestor olhava para um cartão da empresa na mão de Fred, este notou e lho deu, prometendo um desconto especial acima de nove peças. Seguiu de volta ao bar.

No que andava na rua atrás do quartel seu relógio de pulso comprado na Paraná com Carijós marcava oito e trinta e dois. Chorar não conseguiu, mas sua testa cabocla o denuncia: a gota que rola pelo osso esfenóide mostra que ele sua, apesar de andar devagar na manhã julina.

O entregador se aproximava de um prédio baixinho amarelado, construído no primeiro mandato do Vargas, embora contivesse uns traços de arquitetura belle époque, de cujo segundo andar saía uma canção transmitida pela Rádio 98. Começou a ouvi-la. Olhou pra cima como se fosse apurar o som, viu um adesivo com o losango da Forum no vidro, mal colocado, soltando uma pequena ‘orelha’. A sua, literal, aguçou-se: – Uai, são os Smashing Pumpkins! – pensou Fred em sua rápida e adolescente capacidade de flagrar bandas musicais.

Sentiu emoção reconfortante, estranha e singular, posto que do apê mencionado tocava Nineteen Seventy-Nine, ano em que ele nasceu.

Chegou enfim ao estabelecimento para pegar o resto das roupas, lá agora estava com três clientes, um bebia pinga sossegado... qual Hemingway velejando em Cárdenas. Ele e Fred contemplavam os infinitos hexágonos vermelho-claros no piso, Sô Gumercindo já preocupado notava os diferentes semblantes dos dois. Lu voltou a si, retirou detrás do balcão as outras encomendas, bem mais leves que a inicial, e foi entregá-las.

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