quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Missionário


Ele queria apenas liberta-se, porém os corpos continuavam se acumulando. Todos que lerem estas linhas desorganizadas serão sócios de infames ações. Nosso personagem, que de alguma forma vingativa é real, perpetrou atos torpes. Leiam com redobrada atenção, somente uma vez, não quero que destruam meu texto e confissão de um louco inquieto que por algum motivo desarrazoado contou-me seus atos com apuro e maestria. Não tanto com maestria, mas, espero, com verdade.
Em sua trilha ficavam corpos, todos de forma despropositada. Começou a imaginar que poderia ser algum castigo por falhas cometidas em inocência pueril. Porém, alguns sacerdotes obscuros lhe disseram que eram punições por crimes de outra vida. De alguma forma seus crimes em tempos imemoriais onde homens ditos racionais não conseguem alcançar, mas que algumas pessoas de magia, faculdade imprescindível para interpretação dos sonhos e augúrios. Rumando em uma busca por redenção por atos que estavam ligados a ele, também havendo uma ligação mágica com o passado remoto, as forças imperiosas continuavam com sua imposição de vingança. O menor ato de simpatia e bondade para com ele era punido de forma sumária com a morte. Todas seguindo um roteiro meticuloso de dor e agonia, os padres temiam aqueles gemidos. As últimas graças não eram concedidas aos que com ele privaram respeito.
A culpa era uma companheira constante. Isolava-se em matas para evitar que os homens de bem morressem com sua presença. Mas aquelas forças inevitáveis achavam-no, ouvia gritos de louvar à noite. Eles iam aumentando. O terror controlava seu corpo. Era uma língua estranha, possivelmente de poucos falantes. Caminhando na noite escura, onde uma Lua vingativa escondia seu brilho. Olhava pelas frestas das folhas das árvores. Os gritos cessaram. Vários homens, tantos que o horror não o permitia contar, de joelhos abaixavam a cabeça e deixavam que as lâminas trespassassem-lhes, a espada era posta na vertical descendo rente à sua coluna. Uma festa de sangue, os homens entregavam suas vidas com estoicismo, como não pudessem fazer nada.
O sacerdote olhou por entre as folhas. Parecia entrar em seus olhos, e de alguma forma inescrutável, desbravar sua alma. Com uma voz rouca o sacerdote falava, ele pela primeira vez entendeu as palavras que lhe eram ininteligíveis. Mandava que se aproximasse. Com cadência o sacerdote narrava os valores de uma seita que praticava a vilania com o intuito sagrado que trazer amor e caridade em um futuro próximo. Acreditavam em um equilíbrio universal, a ordem de um cosmo que de alguma forma para os homens ditos racionais era insondável, para os seguidores daquela igreja era intrinsecamente ligados aos seus atos. Como que para existir o equilíbrio o mal vicejaria em suas ações para haver uma Era de bondade. Ele era apenas mais um dos milhares de sacerdotes trabalhando de forma inconsciente em uma nova ordem.  Sua missão era continuar sua jornada, sempre espalhando a ignomínia.
As dores lancinantes consomem meu corpo. A mesma que consome em abjeção nossa Era. E a lâmina agora é minha e continuo a caminhar.       

sábado, 24 de setembro de 2011

Desajuste em Curral Del Rey – Parte III

Saiu Fred na direção da primeira casa, na Rua Amianto, puxando um hausto prazeroso ao deixar o recinto, porque mirava sua parede externa coberta por rochas cinzentas e densas cortadas por um forte sulco índigo. Lu entregou normalmente, virou à direita e retomou a Salinas, caminhou nela uns cento e sessenta metros curtindo a gostosa fumaça matinal. E decidiu parar no Oásis, que ainda não havia aberto ao atendimento. Conseguiu entrar assim mesmo, vira Nestor, o porteiro, cumprimentaram-se.

– Pó d’xar que é jogo rápido – assegurou Fred Luciano.

– Tá limpo – disse Nestor – só não demorar com os cartões... se o gerente vir, sobra pra mim.

– Ok.

Assim deixou alguns cartões da firma com os funcionários da limpeza, almoxarifado e piscina, no intuito de arranjar novos fregueses. Subiu até a portaria. Estava atônito, da côr que se usa no Réveillon, tremulava, dava passos hesitantes para ganhar a rua, feito um leucêmico que acabou de receber alta.

– Que cara é essa, Fred? O que houve?

A moça na cantina lhe contara da invasão de uma gangue de traficantes no barraco de Anderson, amigo de Fred de bater peladas na rua e andar de skate na Pracinha, relatando com alguns detalhes sobre como o morador fora alvejado por uma .45 e de como se dera sua morte dentro da ambulância, oito minutos após esta conseguir deixar a favela fronteiriça à Avenida dos Andradas.

– Tu não sabia?

Lu agradeceu o porteiro, balbuciou uma explicação sobre não estar ligado nos acontecimentos do bairro nesses dias, Nestor olhava para um cartão da empresa na mão de Fred, este notou e lho deu, prometendo um desconto especial acima de nove peças. Seguiu de volta ao bar.

No que andava na rua atrás do quartel seu relógio de pulso comprado na Paraná com Carijós marcava oito e trinta e dois. Chorar não conseguiu, mas sua testa cabocla o denuncia: a gota que rola pelo osso esfenóide mostra que ele sua, apesar de andar devagar na manhã julina.

O entregador se aproximava de um prédio baixinho amarelado, construído no primeiro mandato do Vargas, embora contivesse uns traços de arquitetura belle époque, de cujo segundo andar saía uma canção transmitida pela Rádio 98. Começou a ouvi-la. Olhou pra cima como se fosse apurar o som, viu um adesivo com o losango da Forum no vidro, mal colocado, soltando uma pequena ‘orelha’. A sua, literal, aguçou-se: – Uai, são os Smashing Pumpkins! – pensou Fred em sua rápida e adolescente capacidade de flagrar bandas musicais.

Sentiu emoção reconfortante, estranha e singular, posto que do apê mencionado tocava Nineteen Seventy-Nine, ano em que ele nasceu.

Chegou enfim ao estabelecimento para pegar o resto das roupas, lá agora estava com três clientes, um bebia pinga sossegado... qual Hemingway velejando em Cárdenas. Ele e Fred contemplavam os infinitos hexágonos vermelho-claros no piso, Sô Gumercindo já preocupado notava os diferentes semblantes dos dois. Lu voltou a si, retirou detrás do balcão as outras encomendas, bem mais leves que a inicial, e foi entregá-las.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Paz


E terei a sagrada paz quando a morte bater à porta
E em minha mente os pensamentos fugirem
E o corpo carcomido ser pó, mas mesmo sendo pó
será de loucura e perturbação
pois em sua aspiração
haverá a inalação da dor
E da paz que sonhei terei
o descanso em que não mais acordarei

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Duplo


Você consegue controlar sua mente?
Ele perguntou enquanto esperava o trem.
Não, mas já não importa mais.
O espelho frio que repetia tudo. Frágil e destrutivo como sempre esperando. Imóvel e destrutivo.
Você sabe o que eu mais desejaria agora?
Sei.
As imagens refletidas criando um duplo que permeia suas ações enquanto todos os homens deveriam quebrar os espelhos com sua bizarra capacidade do destruir a individualidade.
Esmagar nossa mente.
O duplo também tinha lágrimas escorrendo.
O trem já apitava, o som espantando os animais e trazendo o louco ladrar dos cães.
Melhor agora. Por que deixar para depois?
 Deitou-se nos trilhos apoiando a cabeça no aço frio e esperou até o tempo apagar todas as lembranças e a dor ser única e última.