sábado, 30 de julho de 2011

Desajuste em Curral Del Rey – Parte I

Um instante cuja sensação primeira é do endocárdio balançar e procurar encostar na mitral e na bicúspide, com a mesma absurdeza que um guri de cinco anos estende seu braço da corda da gangorra e espera tocar seu pai que acaba de lançá-lo.

Três décimos de segundo depois, a segunda; e por onomatopéico e bizarro que soe, um – glup! – é o que as válvulas mencionadas ensaiam. A sensação terceira a envolver Fred Luciano constitui num suspiro que ele tem certeza de emergir e não contém. E quem poderia?

Ao fitar, num apartamento qualquer em Stª Tereza, o semblante de Dª Cândida, onde naquele momento se exibiam covas – e quem não a conhecesse decretaria que estas eram de fumante – em um enleio de sorriso, que nos levavam até uma boca côr-de-mel nordicamente desenhada; reforçou-se em Fred a idéia de que estava na hora de concluir a entrega.

Nesta era ajudado por seu vizinho Carlos, que enquanto ouvia um clássico do Be-bop na Rádio Geraes no furgão ocre estacionado lá na pitorescamente recôndita e ainda coberta por calçamento rua, já pensava em botar a palma na buzina, pois eles logo se atrasariam. Não podia ali ficar nem mais um minuto e o suspiro de Fred se misturava a uma cobrança a que ele próprio se submetia com uma pitada de incomum britanicidade.

Decerto, no turbilhão de emoções que pegava Fred Luciano, um poderoso ingrediente era o céu das quinze para as cinco da tarde, com seu singelo e revigorante tom de turquesa e alternado por cirros bem espichadas, que nos remetiam a flocos de lã e cujo esguio movimento conferia um tom de alarme da passagem rápida das horas.

A tonalidade daquele céu belo-horizontino não fugia muito da dos olhos alpinos de Dª Cândida, que sem querer lançava um fitar esgazeado sobre Fred, este se levantando da cadeira de modo ligeiramente convulsivo. No café dera três bicadas e nem olhara para o bule de alumínio, deixou cair migalhas da brôa no diminuto prato de louça ribatejana e se despediu da freguesa loira de cabelo perfumado em vacínio e liso, que soltou um automatizado: – Tá cedo ainda – mal acabado de pronunciar, percebia a nota fiscal em sua mão de unhas rosáceas e via o garoto já tomar o corredor do edifício, com o pensamento voltado em retornar à firma.

Carlos olhava com certa dose de reprovação o colega que acabava de entrar no veículo e o giro da chave soava menos reclamão, embora mais fricativo-labiodental e descontínuo, que o muxoxo soltado pelo – então há menos de um minuto – preocupado motorista. O furgão arrancou e, no que subia a rua o passageiro adolescente Fred matutava sobre a aula noturna que estava a seu aguardo, não sem antes dar um último breve relatório para findar o expediente.

Em sua normalmente rápida jornada até a sede da firma o carro ocre já estava na Floresta, só que uns vinte estapafúrdios minutos haviam decorrido por causa de uma blitz na Avenida do Contorno, engarrafando o já-nada-fácil trânsito naquela área; e quem agora olhasse para o céu veria somente uma intersecção do gás carbônico oriundo do amontoado de carros com o céu antes hiper belo.