quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Ñe'ẽpoty

Suas férias de acabar estavam perto

Pra cadernet’ainda não tirou foto

Esforçava no Xbox pra jogar certo

Tarefas’mil, pens’Hugo: – Depois anoto


Aulas enfim voltaram, ele desperto

Ouve barulho d’esquentar a moto

De caron’ia com o pai, algo já certo

Recusa e vai no ônibus do Otto


– Como é lind’a minha Tia Vera Lúcia!

... Mais parece um ursinho de pelúcia... –

Foi a zoação dos trutas na escola

No recreio ao planejar dar uma bola


Adiam. O inspetor chega no pátio:

– Ei, Hugo! Vê se passa Menthiolátio

Bem ao lado da gatinha às 9:meia

Tropeça ante uma fila cheia


Solado bate, de um All-Star rosa

No chão, co’a ponta; Hugo franze o cenho

A fila da cantina, estrondosa

Relincha, vaia e grita, com engenho


O inspetor, para contê-los, brada

Uma das únicas a não zombar

Do Hug’üé a solidária e assustada

Ruiva de calça baggy e All-Star


Levanta, quer chamá-la pra sair,

Há dias ele tem essa vontade

Vanessa: nome da mirim beldade

– Agora, sim, maluco! É isso aí!... –


Sua frio o rapaz, gaguej’e treme:

– Dan-dançar... à noi-noit’e divertir –

A moça’de pele perfumada creme

C’os berros’na fila, não consegue ouvir


Inspetor enfim estanc’o alvoroço

Vanessa percebeu de que se trata:

– Que fofo! – e cortou a onda do moço:

– Papai, s’êle flagrar, ele me mata


Insiste, a moça o xinga desta vez, e

Desce a Rua Ponte Nova até um bar

Na mocada ele compra ping’aos treze
E aplica uma Ram Jam pra acalmar.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Missionário


Ele queria apenas liberta-se, porém os corpos continuavam se acumulando. Todos que lerem estas linhas desorganizadas serão sócios de infames ações. Nosso personagem, que de alguma forma vingativa é real, perpetrou atos torpes. Leiam com redobrada atenção, somente uma vez, não quero que destruam meu texto e confissão de um louco inquieto que por algum motivo desarrazoado contou-me seus atos com apuro e maestria. Não tanto com maestria, mas, espero, com verdade.
Em sua trilha ficavam corpos, todos de forma despropositada. Começou a imaginar que poderia ser algum castigo por falhas cometidas em inocência pueril. Porém, alguns sacerdotes obscuros lhe disseram que eram punições por crimes de outra vida. De alguma forma seus crimes em tempos imemoriais onde homens ditos racionais não conseguem alcançar, mas que algumas pessoas de magia, faculdade imprescindível para interpretação dos sonhos e augúrios. Rumando em uma busca por redenção por atos que estavam ligados a ele, também havendo uma ligação mágica com o passado remoto, as forças imperiosas continuavam com sua imposição de vingança. O menor ato de simpatia e bondade para com ele era punido de forma sumária com a morte. Todas seguindo um roteiro meticuloso de dor e agonia, os padres temiam aqueles gemidos. As últimas graças não eram concedidas aos que com ele privaram respeito.
A culpa era uma companheira constante. Isolava-se em matas para evitar que os homens de bem morressem com sua presença. Mas aquelas forças inevitáveis achavam-no, ouvia gritos de louvar à noite. Eles iam aumentando. O terror controlava seu corpo. Era uma língua estranha, possivelmente de poucos falantes. Caminhando na noite escura, onde uma Lua vingativa escondia seu brilho. Olhava pelas frestas das folhas das árvores. Os gritos cessaram. Vários homens, tantos que o horror não o permitia contar, de joelhos abaixavam a cabeça e deixavam que as lâminas trespassassem-lhes, a espada era posta na vertical descendo rente à sua coluna. Uma festa de sangue, os homens entregavam suas vidas com estoicismo, como não pudessem fazer nada.
O sacerdote olhou por entre as folhas. Parecia entrar em seus olhos, e de alguma forma inescrutável, desbravar sua alma. Com uma voz rouca o sacerdote falava, ele pela primeira vez entendeu as palavras que lhe eram ininteligíveis. Mandava que se aproximasse. Com cadência o sacerdote narrava os valores de uma seita que praticava a vilania com o intuito sagrado que trazer amor e caridade em um futuro próximo. Acreditavam em um equilíbrio universal, a ordem de um cosmo que de alguma forma para os homens ditos racionais era insondável, para os seguidores daquela igreja era intrinsecamente ligados aos seus atos. Como que para existir o equilíbrio o mal vicejaria em suas ações para haver uma Era de bondade. Ele era apenas mais um dos milhares de sacerdotes trabalhando de forma inconsciente em uma nova ordem.  Sua missão era continuar sua jornada, sempre espalhando a ignomínia.
As dores lancinantes consomem meu corpo. A mesma que consome em abjeção nossa Era. E a lâmina agora é minha e continuo a caminhar.       

sábado, 24 de setembro de 2011

Desajuste em Curral Del Rey – Parte III

Saiu Fred na direção da primeira casa, na Rua Amianto, puxando um hausto prazeroso ao deixar o recinto, porque mirava sua parede externa coberta por rochas cinzentas e densas cortadas por um forte sulco índigo. Lu entregou normalmente, virou à direita e retomou a Salinas, caminhou nela uns cento e sessenta metros curtindo a gostosa fumaça matinal. E decidiu parar no Oásis, que ainda não havia aberto ao atendimento. Conseguiu entrar assim mesmo, vira Nestor, o porteiro, cumprimentaram-se.

– Pó d’xar que é jogo rápido – assegurou Fred Luciano.

– Tá limpo – disse Nestor – só não demorar com os cartões... se o gerente vir, sobra pra mim.

– Ok.

Assim deixou alguns cartões da firma com os funcionários da limpeza, almoxarifado e piscina, no intuito de arranjar novos fregueses. Subiu até a portaria. Estava atônito, da côr que se usa no Réveillon, tremulava, dava passos hesitantes para ganhar a rua, feito um leucêmico que acabou de receber alta.

– Que cara é essa, Fred? O que houve?

A moça na cantina lhe contara da invasão de uma gangue de traficantes no barraco de Anderson, amigo de Fred de bater peladas na rua e andar de skate na Pracinha, relatando com alguns detalhes sobre como o morador fora alvejado por uma .45 e de como se dera sua morte dentro da ambulância, oito minutos após esta conseguir deixar a favela fronteiriça à Avenida dos Andradas.

– Tu não sabia?

Lu agradeceu o porteiro, balbuciou uma explicação sobre não estar ligado nos acontecimentos do bairro nesses dias, Nestor olhava para um cartão da empresa na mão de Fred, este notou e lho deu, prometendo um desconto especial acima de nove peças. Seguiu de volta ao bar.

No que andava na rua atrás do quartel seu relógio de pulso comprado na Paraná com Carijós marcava oito e trinta e dois. Chorar não conseguiu, mas sua testa cabocla o denuncia: a gota que rola pelo osso esfenóide mostra que ele sua, apesar de andar devagar na manhã julina.

O entregador se aproximava de um prédio baixinho amarelado, construído no primeiro mandato do Vargas, embora contivesse uns traços de arquitetura belle époque, de cujo segundo andar saía uma canção transmitida pela Rádio 98. Começou a ouvi-la. Olhou pra cima como se fosse apurar o som, viu um adesivo com o losango da Forum no vidro, mal colocado, soltando uma pequena ‘orelha’. A sua, literal, aguçou-se: – Uai, são os Smashing Pumpkins! – pensou Fred em sua rápida e adolescente capacidade de flagrar bandas musicais.

Sentiu emoção reconfortante, estranha e singular, posto que do apê mencionado tocava Nineteen Seventy-Nine, ano em que ele nasceu.

Chegou enfim ao estabelecimento para pegar o resto das roupas, lá agora estava com três clientes, um bebia pinga sossegado... qual Hemingway velejando em Cárdenas. Ele e Fred contemplavam os infinitos hexágonos vermelho-claros no piso, Sô Gumercindo já preocupado notava os diferentes semblantes dos dois. Lu voltou a si, retirou detrás do balcão as outras encomendas, bem mais leves que a inicial, e foi entregá-las.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Paz


E terei a sagrada paz quando a morte bater à porta
E em minha mente os pensamentos fugirem
E o corpo carcomido ser pó, mas mesmo sendo pó
será de loucura e perturbação
pois em sua aspiração
haverá a inalação da dor
E da paz que sonhei terei
o descanso em que não mais acordarei

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Duplo


Você consegue controlar sua mente?
Ele perguntou enquanto esperava o trem.
Não, mas já não importa mais.
O espelho frio que repetia tudo. Frágil e destrutivo como sempre esperando. Imóvel e destrutivo.
Você sabe o que eu mais desejaria agora?
Sei.
As imagens refletidas criando um duplo que permeia suas ações enquanto todos os homens deveriam quebrar os espelhos com sua bizarra capacidade do destruir a individualidade.
Esmagar nossa mente.
O duplo também tinha lágrimas escorrendo.
O trem já apitava, o som espantando os animais e trazendo o louco ladrar dos cães.
Melhor agora. Por que deixar para depois?
 Deitou-se nos trilhos apoiando a cabeça no aço frio e esperou até o tempo apagar todas as lembranças e a dor ser única e última.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Lucidez

Autora: Yonne Santiago

Teu sorriso é um quebra-luz
Abajur a iluminar a dor
Ambrosia da minha alma
Alba que me remete à paz
Avis rara do meu amor

Soam as horas, suaves, sonoras
Ao bel-prazer dos tique-taques...
A vida passa, a vida fica,
A vida estaca e estica.
Do belvedere uma lágrima cai:
Acrobata dos tais recalques.

Bem-aventurado sorriso,
Berceuse dos meus sonhos,
Berloque que os colore e encanta.
Bálsamo dos meus calafrios é
Teu semblante que os deslumbra.
Acorda o desejo, da penumbra
Para o longe, a tristeza espanta
Abranda os pensamentos mais bisonhos
É tudo, teu bem-vindo sorriso.
Minha ternura, meu juízo.

Desajuste em Curral Del Rey – Parte II

No caminho Fred observava super irritado como estavam emporcalhadas as ruas, com latas de refrigerante atiradas no passeio*, copinhos de sorvete rolando no meio-fio, panfletos comerciais melados no bueiro presos ao óleo que escorria de alguma oficina e embalagens diversas capotadas no asfalto.

Não queria saber de olhar o movimento, casas, novas lojas, tampouco os carros importados que em outras ocasiões eram alvo garantido de seu contemplar.

Ao descer o viaduto, o moço de rosto quase colado no vidro e ainda cabisbaixo se deparou com um pôster de futebol amassado – provável encarte de algum jornal – e... daí lhe ocorreu a lembrança que naquela semana o Cruzeiro derrubara o favoritaço Palmeiras na final da Copa do Brasil. Acontecimento que para o coração alvinegro de Fred era bem amargo, mas cujas circunstâncias – e aí basta ver como a partida foi – ao seu intelecto já começavam a enviar a lição winstonchurchilliana do nunca desistir.

Voltou do Centro, trazido por Carlos, desta vez calculou não dar tempo de passar em casa, apressou-se em chegar ao Tiradentes, colégio onde estudava, também em Stª Tereza.

Na manhã seguinte Lu(como era chamado nosso herói de nome composto pelos familiares em casa quando estes se viam cansados demais para chamá-lo pelo prenome, ou exasperados ou mesmo aéreos) foi entregar uma pilha de roupas em cinco casas diferentes. E como estas ficavam pertinho uma da outra, ele foi a pé mesmo – enquanto Carlos ia visitar alguns clientes na Esplanada – deixando a pilha atrás do balcão de um nostálgico e modesto bar na Rua Salinas.

Agachou-se Lu virado de frente para o barril de chope artesanal, ao lado e a cerca de um metro e noventa do lugar onde Sô Gumercindo**, o dono, abria a portinhola de vidro e distribuía as que de madrugada haviam chegado côxinhas numa travessa. O entregador tinha o intuito de separar um jogo de blusas para a primeira casa situada atrás da Pracinha, um pouco mais afastada das outras, além do Oásis inclusive.

Rodeados estavam os dois, sem fregueses naquela quinta-feira às 8:09, por um conjunto de azulejos em dourado e vinho; na parede contígua ao balcão surgia colocado pelo filho do Sô Gumercindo um quadro da banda Os Mutantes no qual predominava a côr creme abrigando em baixo seu psicodélico marrom-escuro logotipo que há vinte e três anos esteve na moda e em cima seus componentes desvairados e de rostos felizes; na parede oposta ao balcão víamos uma prateleira de salgadinhos cujas gavetas quadradas em grade nos lembravam uma cestinha da Caloi fabricada nos anos 80, mesmo decênio da plaquinha ainda ostentada e parafusada à grade, indicando o produto Bocaditos com sua logomarca oitentista onde ferrugens pequenas se podiam notar.

* N.A.: no resto do Brasil acho que se diz calçada, porém em Belo Horizonte se diz passeio.

** N.A.: acho que em todo o resto do Brasil é Seu Gumercindo mesmo.

sábado, 27 de agosto de 2011

Sem título


“Tive um sono sem sonhos,” foi a primeira coisa que Edite disse para seu marido. Lá fora, perto da garagem, os garotos que andavam pela vizinhança na madrugada tinham espalhado o lixo da casa, mas não só o deles, naquele bairro, pelo menos três casas por rua tinham tido suas latas reviradas e o lixo espalhado em frente às casas; a cada dia escolhiam uma rua e iam espalhando o lixo, das fraldas geriátricas de seu Mateus, da casa 145, às fraldas e potes de papa do bebê do pastor Paulo, da casa 102, e os absorventes, potes de sorvete vazios e vídeos de exercícios que nunca haviam sido assistido por sua dona, do 178. “Isso nunca me ocorreu, sempre sonho”, ela disse enquanto o marido apenas olhava para o vazio.
Não adiantava dizer nada para Esídio, ao menos, naquela hora do dia. Os minutos para ele corriam mais devagar; o barulho das crianças não tinha nenhum efeito, as palavras de sua mulher não causavam nenhuma comoção. Levantar-se, escovar os dentes; fazia suas atividades diárias como programado. Caminhava em um andar descompassado, puxava a perna direita, um dois, um dois, os passos se desenrolavam como uma dança alquebrada em que um dos parceiros sempre deixava o outro para trás, enquanto o outro tentava acompanhar, não em desespero, apenas impassível, apenas tentando.  Ela aumentava a voz e repetia: “Tive um sono sem sonhos, isso nunca me ocorreu...”; sua voz não era autoritária, tinha firmeza; “é estranho, sonhos bons ou ruins, mas sempre sonho.”
Em suas atividades, Esídio sabia: vestir-se, era agora sua obrigação, sentar na poltrona, enquanto esperava Edite preparar o café, seu dever. Ela cantarolava uma música baixinho, uma melodia só para ela; ele nunca reconheceu a música e também nunca perguntou. Porém a melodia vinha diferente, agora mais alegre, rápida. Das poucas notas que ouviu, sabia que algo diferente havia acontecido; não lhe passou pela cabeça perguntar, sabia que algo diferente ocorrera, essa era sua certeza e bastava.
Olhando de relance pela janela, via os cachorros se amontoando no lixo espalhado. Da porta da sua casa já gritava contra a matilha, eles percorriam o asfalto deslizando conjuntamente em seu grupo com a cauda baixa. Depois de afastá-los, voltou para casa, pegou suas luvas e juntava os sacos espalhados com seu opróbrio. Malditos garotos, pensava enquanto o suor deslizava em sua têmpora, as luvas se entranhando ao odor do lixo que era seu, de Edite e de seus netos.  Pisou em falso, tentou se apoiar em sua perna boa, deslizou, esparramou-se pela calçada; seu sangue marcava o cimento da calçada, a mesma que havia sido feita com seu dinheiro. O filete percorria sua testa se misturando ao suor, manchava sua camisa e marcava o chão.
Sentado em uma das cadeiras da mesa da cozinha, Esídio esperava Edite trazer o álcool e o algodão. Não havia mais o que fazer, ele sabia que não melhoraria ao xingar os garotos; caso houvesse culpa, era sua, era de sua perna, sabia que ela não melhoraria com reprovações ou xingamentos, mas era de sua perna a culpa e se ela fazia parte dele, era ele o culpado por tudo, das marcas vermelhas em frente à sua casa ao fato de Edite procurar álcool e algodão e não encontrar. Ela passava vinagre na testa de Esídio e juntava as toalhinhas em torno do ferimento. Sentia a testa nodosa de seu marido; seus sulcos e marcas lhe davam a certeza da velhice, algo que os dois compartilhavam e ela sabia que era só dos dois.     

sábado, 30 de julho de 2011

Desajuste em Curral Del Rey – Parte I

Um instante cuja sensação primeira é do endocárdio balançar e procurar encostar na mitral e na bicúspide, com a mesma absurdeza que um guri de cinco anos estende seu braço da corda da gangorra e espera tocar seu pai que acaba de lançá-lo.

Três décimos de segundo depois, a segunda; e por onomatopéico e bizarro que soe, um – glup! – é o que as válvulas mencionadas ensaiam. A sensação terceira a envolver Fred Luciano constitui num suspiro que ele tem certeza de emergir e não contém. E quem poderia?

Ao fitar, num apartamento qualquer em Stª Tereza, o semblante de Dª Cândida, onde naquele momento se exibiam covas – e quem não a conhecesse decretaria que estas eram de fumante – em um enleio de sorriso, que nos levavam até uma boca côr-de-mel nordicamente desenhada; reforçou-se em Fred a idéia de que estava na hora de concluir a entrega.

Nesta era ajudado por seu vizinho Carlos, que enquanto ouvia um clássico do Be-bop na Rádio Geraes no furgão ocre estacionado lá na pitorescamente recôndita e ainda coberta por calçamento rua, já pensava em botar a palma na buzina, pois eles logo se atrasariam. Não podia ali ficar nem mais um minuto e o suspiro de Fred se misturava a uma cobrança a que ele próprio se submetia com uma pitada de incomum britanicidade.

Decerto, no turbilhão de emoções que pegava Fred Luciano, um poderoso ingrediente era o céu das quinze para as cinco da tarde, com seu singelo e revigorante tom de turquesa e alternado por cirros bem espichadas, que nos remetiam a flocos de lã e cujo esguio movimento conferia um tom de alarme da passagem rápida das horas.

A tonalidade daquele céu belo-horizontino não fugia muito da dos olhos alpinos de Dª Cândida, que sem querer lançava um fitar esgazeado sobre Fred, este se levantando da cadeira de modo ligeiramente convulsivo. No café dera três bicadas e nem olhara para o bule de alumínio, deixou cair migalhas da brôa no diminuto prato de louça ribatejana e se despediu da freguesa loira de cabelo perfumado em vacínio e liso, que soltou um automatizado: – Tá cedo ainda – mal acabado de pronunciar, percebia a nota fiscal em sua mão de unhas rosáceas e via o garoto já tomar o corredor do edifício, com o pensamento voltado em retornar à firma.

Carlos olhava com certa dose de reprovação o colega que acabava de entrar no veículo e o giro da chave soava menos reclamão, embora mais fricativo-labiodental e descontínuo, que o muxoxo soltado pelo – então há menos de um minuto – preocupado motorista. O furgão arrancou e, no que subia a rua o passageiro adolescente Fred matutava sobre a aula noturna que estava a seu aguardo, não sem antes dar um último breve relatório para findar o expediente.

Em sua normalmente rápida jornada até a sede da firma o carro ocre já estava na Floresta, só que uns vinte estapafúrdios minutos haviam decorrido por causa de uma blitz na Avenida do Contorno, engarrafando o já-nada-fácil trânsito naquela área; e quem agora olhasse para o céu veria somente uma intersecção do gás carbônico oriundo do amontoado de carros com o céu antes hiper belo.