Escrivão
Blog de caráter literário. Publicamos contos, poemas e resenhas de livros.
quinta-feira, 8 de março de 2012
Condenado
Faz frio, joguei meu cobertor em um dos cantos da cela, fedia ao suor dos outros presos, fedia a homem. E lembrava minha condição; em suas fibras já havia meu cheiro, fedor de animal abatido e derrotado. Esperei em silêncio. Poderiam ter eles mudado de idéia. Que horas são? A primeira coisa que se perde é a noção do tempo. Pelas frestas vejo que já é manhã. Ainda não trouxeram minha comida, ah, mas quem precisa disso agora. Do que adiantaria comer. Às vezes penso que nada existe.
Os guardas chegaram. Três. Como os odiei. Mas, pense, estavam apenas fazendo seu trabalho. A multidão gritava. Todos felizes com o espetáculo. Os pais colocavam as crianças nas costas. Não havia horror, apenas regozijo. No patíbulo me ajoelhei, colocaram minha cabeça sobre o torno. Queria olhar o céu mais uma vez. Estou de costas para o céu, de costas para Deus. Queria olhar o azul. O carrasco se aproximou. Esperou. Levantou o machado, ele caiu sobre meu pescoço. Uma cabeça rolou com os olhos abertos procurando o firmamento e com seus olhos extáticos olhava a Deus. E a multidão urrou sob o céu daquela manhã clara.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Ñe'ẽpoty
Suas férias de acabar estavam perto
Pra cadernet’ainda não tirou foto
Esforçava no Xbox pra jogar certo
Tarefas’mil, pens’Hugo: – Depois anoto
Aulas enfim voltaram, ele desperto
Ouve barulho d’esquentar a moto
De caron’ia com o pai, algo já certo
Recusa e vai no ônibus do Otto
– Como é lind’a minha Tia Vera Lúcia!
... Mais parece um ursinho de pelúcia... –
Foi a zoação dos trutas na escola
No recreio ao planejar dar uma bola
Adiam. O inspetor chega no pátio:
– Ei, Hugo! Vê se passa Menthiolátio –
Bem ao lado da gatinha às 9:meia
Tropeça ante uma fila cheia
Solado bate, de um All-Star rosa
No chão, co’a ponta; Hugo franze o cenho
A fila da cantina, estrondosa
Relincha, vaia e grita, com engenho
O inspetor, para contê-los, brada
Uma das únicas a não zombar
Do Hug’üé a solidária e assustada
Ruiva de calça baggy e All-Star
Levanta, quer chamá-la pra sair,
Há dias ele tem essa vontade
Vanessa: nome da mirim beldade
– Agora, sim, maluco! É isso aí!... –
Sua frio o rapaz, gaguej’e treme:
– Dan-dançar... à noi-noit’e divertir –
A moça’de pele perfumada creme
C’os berros’na fila, não consegue ouvir
Inspetor enfim estanc’o alvoroço
Vanessa percebeu de que se trata:
– Que fofo! – e cortou a onda do moço:
– Papai, s’êle flagrar, ele me mata
Insiste, a moça o xinga desta vez, e
Desce a Rua Ponte Nova até um bar
E aplica uma Ram Jam pra acalmar.
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Missionário
sábado, 24 de setembro de 2011
Desajuste em Curral Del Rey – Parte III
Saiu Fred na direção da primeira casa, na Rua Amianto, puxando um hausto prazeroso ao deixar o recinto, porque mirava sua parede externa coberta por rochas cinzentas e densas cortadas por um forte sulco índigo. Lu entregou normalmente, virou à direita e retomou a Salinas, caminhou nela uns cento e sessenta metros curtindo a gostosa fumaça matinal. E decidiu parar no Oásis, que ainda não havia aberto ao atendimento. Conseguiu entrar assim mesmo, vira Nestor, o porteiro, cumprimentaram-se.
– Pó d’xar que é jogo rápido – assegurou Fred Luciano.
– Tá limpo – disse Nestor – só não demorar com os cartões... se o gerente vir, sobra pra mim.
– Ok.
Assim deixou alguns cartões da firma com os funcionários da limpeza, almoxarifado e piscina, no intuito de arranjar novos fregueses. Subiu até a portaria. Estava atônito, da côr que se usa no Réveillon, tremulava, dava passos hesitantes para ganhar a rua, feito um leucêmico que acabou de receber alta.
– Que cara é essa, Fred? O que houve?
A moça na cantina lhe contara da invasão de uma gangue de traficantes no barraco de Anderson, amigo de Fred de bater peladas na rua e andar de skate na Pracinha, relatando com alguns detalhes sobre como o morador fora alvejado por uma .45 e de como se dera sua morte dentro da ambulância, oito minutos após esta conseguir deixar a favela fronteiriça à Avenida dos Andradas.
– Tu não sabia?
Lu agradeceu o porteiro, balbuciou uma explicação sobre não estar ligado nos acontecimentos do bairro nesses dias, Nestor olhava para um cartão da empresa na mão de Fred, este notou e lho deu, prometendo um desconto especial acima de nove peças. Seguiu de volta ao bar.
No que andava na rua atrás do quartel seu relógio de pulso comprado na Paraná com Carijós marcava oito e trinta e dois. Chorar não conseguiu, mas sua testa cabocla o denuncia: a gota que rola pelo osso esfenóide mostra que ele sua, apesar de andar devagar na manhã julina.
O entregador se aproximava de um prédio baixinho amarelado, construído no primeiro mandato do Vargas, embora contivesse uns traços de arquitetura belle époque, de cujo segundo andar saía uma canção transmitida pela Rádio 98. Começou a ouvi-la. Olhou pra cima como se fosse apurar o som, viu um adesivo com o losango da Forum no vidro, mal colocado, soltando uma pequena ‘orelha’. A sua, literal, aguçou-se: – Uai, são os Smashing Pumpkins! – pensou Fred em sua rápida e adolescente capacidade de flagrar bandas musicais.
Sentiu emoção reconfortante, estranha e singular, posto que do apê mencionado tocava Nineteen Seventy-Nine, ano em que ele nasceu.
Chegou enfim ao estabelecimento para pegar o resto das roupas, lá agora estava com três clientes, um bebia pinga sossegado... qual Hemingway velejando
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Paz
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
Duplo
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Lucidez
Abajur a iluminar a dor
Ambrosia da minha alma
Alba que me remete à paz
Avis rara do meu amor
Soam as horas, suaves, sonoras
Ao bel-prazer dos tique-taques...
A vida passa, a vida fica,
A vida estaca e estica.
Do belvedere uma lágrima cai:
Acrobata dos tais recalques.
Bem-aventurado sorriso,
Berceuse dos meus sonhos,
Berloque que os colore e encanta.
Bálsamo dos meus calafrios é
Teu semblante que os deslumbra.
Acorda o desejo, da penumbra
Para o longe, a tristeza espanta
Abranda os pensamentos mais bisonhos
É tudo, teu bem-vindo sorriso.
Minha ternura, meu juízo.